Objetivo: Descrever as afecções do ombro atendidas por dois membros da Sociedade Brasileira de Ombro e Cotovelo.

Métodos: Estudo transversal que avaliou atendimentos de dois dos autores. Excluímos fraturas e luxações agudas e pacientes com sintomatologia que não envolvia o ombro. A distribuição etária e por sexo foi determinada para os diferentes diagnósticos.

Resultados: Avaliamos 1001 pacientes. A idade foi de 51,43 ± 15,15 anos e 51,0% eram do sexo feminino. As afecções do manguito rotador ocorreram em 64,3%, sendo 41,2% de tendinopatia, 11,0% de rotura parcial e 12,2% de rotura completa. A capsulite adesiva ocorreu em 13,5% e instabilidade glenoumeral em 8,1%. As afecções do manguito rotador foram mais frequentes em mulheres, sendo o ápice entre 50 e 59 anos para tendinopatia e rotura parcial, e entre 60 e 69 anos para rotura completa. A instabilidade glenoumeral foi mais frequente em homens, com ápice entre 30 e 39 anos.

Conclusão: Os diagnósticos mais frequentes foram tendinopatia do manguito rotador, seguido de capsulite adesiva, rotura completa do manguito rotador, rotura parcial do manguito rotador e instabilidade glenoumeral. As afecções do manguito rotador foram mais frequentes em mulheres, com ápice entre 60 e 69 anos para rotura completa. Nível de Evidência IV, Série de Casos.

Descritores: Ombro. Prevalência. Diagnóstico. Bainha rotadora.

INTRODUÇÃO

Queixas no ombro são frequentes na população, com uma incidência anual de 14,7/10001 e prevalência de 7 a 14%2-4 que aumenta para 67% entre os idosos.5 Poucos estudos analisaram, de forma epidemiológica, pacientes com dores nos ombros e descreveram tantos diagnósticos.1,6-10 As causas mais frequentes de dores nos ombros são tendinopatias do manguito rotador e Capsulite Adesiva do Ombro.8-10 Até onde sabemos, nenhum estudo examinou a epidemiologia das principais queixas relativas ao ombro no Brasil.

Estabelecer o panorama nacional é útil para estimular políticas de educação pública, alertar médicos sobre os problemas que mais afetam a população e ajudar a definir planos de prevenção e tratamento. O objetivo deste estudo é descrever as diversas afecções do ombro, sendo tratadas em ambulatório, por dois cirurgiões brasileiros de ombro e cotovelo, bem como apresentar a distribuição dos principais diagnósticos por sexo e idade.

MÉTODOS

Este estudo transversal foi realizado utilizando dados de pacientes tratados pelos dois autores principais (EAM e MECG). Estes pesquisadores têm 10 e 9 anos de experiência em cirurgia de ombro e cotovelo, em respectivo. Este estudo foi aprovado pelo Conselho de revisão institucional sob o processo número 1195. Todos os indivíduos atendidos entre 1º de julho de 2015 e 25 de Maio de 2016 foram incluídos. Pacientes com fraturas agudas e luxações, bem como os pacientes com sintomatologia que não envolvia o ombro foram excluídos. Foram feitas RM ou raios x em conjunto com exames de ultrassonografia em todos os pacientes.

Métodos de avaliação

A base de dados foi construída usando o FileMaker (FileMaker Incorporated, Santa Clara, CA, EUA). Esta ferramenta foi usada para criar uma planilha no Excel (Microsoft Corporation, Redmond, WA, EUA) contendo dados relativos a idade, sexo e diagnóstico. A idade foi registrada em anos completos no momento do primeiro tratamento e categorizada em intervalos de 10 anos. Os diagnósticos foram classificados como: tendinopatia do manguito rotador, rotura parcial do manguito rotador, rotura completa do manguito rotador, tendinite calcária, instabilidade glenoumeral, lesão SLAP (Superior de Anterior para Posterior), osteoartrite glenoumeral, osteoartrite acromioclavicular, discinesia escapular, luxação crônica acromioclavicular e outros. A categoria “outros” incluiu diagnósticos que ocorreram em menos de 0,5% da amostra. Para casos com mais de um diagnóstico, o registro eletrônico do paciente foi revisto e apenas o diagnóstico de maior significância clínica foi considerado. A distribuição por idade e por sexo foi determinada para os diagnósticos mais frequentes.

Análise estatística

Os dados são apresentados de forma descritiva com números absolutos e percentagens. As características gerais da amostra para idade, sexo e comorbidades foram apresentadas como desvios médio e padrão para dados contínuos e quantidade total e percentagens para dados de natureza categórica. O cálculo foi realizado utilizando software SPSS 21.0 (Chicago, IL, EUA).

RESULTADOS

Avaliamos os registros médicos de 1338 pacientes. Destes, excluímos 64 casos com fraturas no ombro, 33 com fraturas no cotovelo, 15 com luxação acromioclavicular ou esternoclavicular aguda, 159 com afecções ortopédicas do cotovelo e 66 por afecções ortopédicas em outros locais, deixando 1001 indivíduos com afecções no ombro. A média de idade dos pacientes para a amostra foi de 51,43 ± 15,15 anos e 511 pacientes (51,0%) eram do sexo feminino.

O paciente mais novo tinha 10 anos de idade e o mais velho 98. As afecções do manguito rotador foram as responsáveis por 64,3% dos casos, tendinopatia por 41,2%, 11,0% foram roturas parciais e 12,2% foram roturas completas. Capsulite Adesiva do Ombro ocorreu em 13,5% dos casos e instabilidade glenoumeral foi vista em 8,1%. A distribuição das afecções do ombros é apresentada na Tabela 1.

As tendinopatias do manguito rotador foram mais frequentes entre as mulheres, com maior incidência de tendinopatias e roturas parciais na faixa etária dos 50 e 59 anos, e roturas completas entre os 60 e 69 anos. A capsulite adesiva do ombro e a tendinite calcária também foram mais frequentes em pacientes do sexo feminino, com a primeira tendo maior frequência entre os pacientes com idade entre 50 e 59 anos, e a segunda entre os pacientes com idades entre 40 e 49 anos.

A instabilidade do ombro e as lesões SLAP prevaleceram entre os homens mais jovens, com um maior número entre os pacientes com idade entre 30 e 39 anos. Artrite Glenoumeral ocorreu principalmente após os 50 anos de idade e envolveu mais mulheres. A distribuição dos casos pelas diferentes faixas etárias e sexo para cada um dos diagnósticos principais é apresentada na Figura 1.

Tabela 1 Distribuição absoluta e percentual de diagnósticos que afetam o ombro.

Figura 1. Distribuição percentual dos principais diagnósticos por década de vida e sexo.

DISCUSSÃO

Nossos resultados mostram que as afecções do manguito rotador estiveram presentes em 64,1% da amostra, com 41,2% de tendinopatias, 11,0% roturas parciais e 12,2% roturas completas. A tendinite do manguito rotador, diagnóstico mais frequente em nossa amostra, também foi o diagnóstico de maior prevalência nos estudos de Juel e Natvig8, e Ostör et al.,10 enquanto Walker-Bone et al.9 relataram a capsulite adesiva do ombro como a afecção mais presente. A tendinopatia e a rotura parcial atingiram o ápice na faixa dos 50-59 anos; a tendinopatia apresentou uma distribuição mais ampla, enquanto rotura parcial foi observada apenas após os 30 anos de idade. Rotura completa do manguito rotador foi mais prevalente entre 60 e 69 anos e ocorreu apenas após 40 anos de idade. Estas descobertas são consistentes com a natureza progressiva das lesões do manguito rotador e o fato de que as roturas completas aumentam sua prevalência com a idade.11

As afecções do manguito rotador mostraram-se mais comuns nas mulheres, exceto a tendinopatia no grupo de 20 a 39 anos de idade, roturas parciais no grupo de 40 a 49 anos e roturas completas no grupo de 40 a 59 anos. Juel e Natvig8 também encontraram maior envolvimento nas mulheres, contudo mais homens tiveramroturas completas entre 50 e 59 anos. Acreditamos que isso pode ser, pelo menos em parte, explicado por um maior número de homens executando trabalhos braçais. Os nossos dados, porém, não nos permitem chegar a esta conclusão.

A capsulite adesiva do ombro esteve presente em 13, 5% dos pacientes, o segundo diagnóstico mais frequente. Tal como acontece com as descobertas de Juel e Natvig,8 este diagnóstico predominou entre mulheres e atingiu o ápice entre as pacientes na faixa de 50 e 59 anos de idade. Não ocorreu na faixa de idade inferior a 30 anos ou superior a 80 anos. Frequência semelhante foi relatada por outros autores, com uma variação de 11 a 16%.8,10 O quinto diagnóstico mais frequente foi instabilidade glenoumeral, ocorrendo em 8,1% da amostra. Como Juel e Natvig também descobriram8, este diagnóstico foi predominante em homens jovens. Nosso estudo mostrou que a tendinite calcária envolveu 3,6% da amostra e foi prevalente em mulheres de 40 a 59 anos de idade.

Os outros estudos não individualizaram este diagnóstico e é provável que tenham incluído os pacientes com este diagnóstico em “tendinopatias do manguito rotador” ou em “outros”.1,8-10 As lesões SLAP causaram sintomas em 3,2% de nossa série e também não foram separadas pelos outros autores.1,8-10 Juel e Natvig8 estudaram as lesões SLAP e instabilidade glenoumeral juntas, enquanto os outros estudos não descreveram este diagnóstico.1,9,10 Nós notamos que esta lesão e a instabilidade glenoumeral foram mais prevalentes em homens jovens. A osteoartrite Glenoumeral foi observada em 2,2% dos pacientes que estudamos, 4% abaixo do número descrito por Juel e Natvig.8

Os outros estudos não descrevem esta condição com detalhes.1,9,10 Com exceção de 2 pacientes, nossos dados demonstram que esta condição afeta, de forma predominante, mulheres após os 50 anos, atingindo o ápice na faixa entre 60 e 69 anos. Juel e Natvig8 encontraram todos os casos desta lesão nas faixas etárias com mais de 40 anos e seu ápice aparece após os 70 anos. Enfatizamos que a osteoartrite glenoumeral representa 37,5% (6/16) dos diagnósticos em pacientes com idade igual ou superior a 80 anos. Os dois pacientes jovens com osteoartrite glenoumeral em nossa série obtiveram um diagnóstico específico de artropatia secundária à artrite reumatoide juvenil e artrite séptica. Optamos por apresentar apenas o diagnóstico principal em casos com mais de uma patologia em curso. O objetivo desta metodologia foi facilitar a análise e a compreensão dos dados. Uma metodologia semelhante foi utilizada por outros autores8,9 o que pode afetar alguns resultados, em especial com relação à osteoartrite acromioclavicular, à degeneração articular que afeta até 82% dos indivíduos assintomáticos.12

No entanto, optamos por destacar as descobertas clínicas em vez de alterações na imagem. Ao contrário de Juel e Natvig8, mas como outros autores,9,10 escolhemos não considerar mialgia como um diagnóstico por si só. Acreditamos que a mialgia seja mais um sintoma do que um diagnóstico especifico8 e que pode apresentar-se em conjunto com outras afecções. Este estudo tem limitações. Não incluímos casos de fraturas e luxações agudas; optamos por excluir esses pacientes porque tais lesões são, em geral, tratadas na unidade de emergência. Em consequência, apenas casos menos graves chegam à clínica ambulatorial, junto daqueles que não permanecem hospitalizados para tratamento cirúrgico.

Embora esta amostra possa não ser, a nível estatístico, representativa de toda a população nacional, detém mais representividade do que a maioria dos estudos similares. 1,8,10 Além disso, os pacientes foram vistos por especialistas em uma clínica privada, de modo que estes dados não podem ser generalizados aos pacientes do sistema único de saúde brasileiro e aos ortopedistas gerais, diminuindo a validade externa. No entanto, enfatizamos que todos os pacientes foram avaliados pessoalmente por um dos principais autores (EAM e MECG), que são cirurgiões com ampla experiência diagnosticando estas lesões que foram confirmadas através de ressonância magnética ou de uma combinação de raios x e ultrassom. Estas características aumentam a validade interna dos dados.

CONCLUSÕES

Os diagnósticos mais comuns na clínica especializada foram tendinopatias do manguito rotador (41,2%), capsulite adesiva do ombro (13,5%), rotura completa do manguito rotador (12,2%), rotura parcial do manguito rotador (11,0%) e instabilidade glenoumeral (8,1%). As afecções do manguito rotador foram mais frequentes entre as mulheres, com maior incidência de tendinopatias e roturas parciais na faixa etária dos 50 e 59 anos, e roturas completas entre os 60 e 69 anos. A capsulite adesiva do ombro foi mais frequente entre a mulheres, com ápice na faixa entre os 50 e os 59 anos, sendo a instabilidade glenoumeral mais frequente em homens, com maior ápice na faixa entre 30 e 39 anos.

REFERÊNCIAS

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  9. Walker-Bone K, Palmer KT, Reading I, Coggon D, Cooper C. Prevalence and impact of musculoskeletal disorders of the upper limb in the general population. Arthritis Rheum. 2004;51(4):642-51.
  10. Ostör AJ, Richards CA, Prevost AT, Speed CA, Hazleman BL. Diagnosis and relation to general health of shoulder disorders presenting to primary care. Rheumatology (Oxford). 2005;44(6):800-5.
  11. Yamamoto A, Takagishi K, Osawa T, Yanagawa T, Nakajima D, Shitara H, et al. Prevalence and risk factors of a rotator cuff tear in the general population. J Shoulder Elbow Surg. 2010;19(1):116-20.
  12. Shubin Stein BE, Ahmad CS, Pfaff CH, Bigliani LU, Levine WN. A comparison of magnetic resonance imaging findings of the acromioclavicular joint in symptomatic versus asymptomatic patients. J Shoulder Elbow Surg. 2006;15(1):56-9.
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