O Artigo A rotação da cabeça do úmero não altera a avaliação radiográfica do ângulo cabeça-diáfise foi realizado em conjunto por Eduardo A. Malavolta PhD, Jorge H. Assunção, MD, Raphaella A. Pagotto, MD, Rafael L. Avelino, MD, Mauro E. C. Gracitelli, MD, Cesar A. M. Pereira, MSc, Alfredo L. Jacomo, PhD, Arnaldo A. Ferreira Neto, PhD.

Histórico: O ângulo cabeça-diáfise é usado para planejar osteotomias e artroplastias e para avaliar os resultados radiográficos do tratamento cirúrgico de fraturas do úmero proximal. Não existem dados publicados que mostrem se diferentes graus de rotação dos braços interferem na avaliação deste ângulo.

Métodos: Dezoito úmeros de cadáveres adultos foram usados. As radiografias foram feitas com os espécimes, à princípio, em posição anteroposterior verdadeira, e então reposicionados em rotação externa e interna de 10º, 20º e 30º. Todas as radiografias foram avaliadas por três cirurgiões do ombro e cotovelo por 2 vezes em um intervalo de 3 meses. O ângulo cabeça-diáfise foi medido através de um sistema de arquivo e comunicação de imagem.

Resultados: Para o úmero em posição neutra, o ângulo cabeça-diáfise foi de 137º ± 4º. Com o espécime anatômico posicionado com rotações interna e externa aumentados, houve uma diferença máxima de 2º se comparados ao valor observado na posição neutra, o que não configura diferença significativa (P=.911). As medições do ângulo cabeça-diáfise mostraram um bom coeficiente de correlação interobservadores, apresentando valores de 0,788 (0,728 – 0,839) para todas as medidas. O coeficiente de correlação intraobservadores variou de moderado a excelente (0,536 – 0,938).

Conclusão: O ângulo da cabeça-diáfise não mudou, de forma significativa, apesar da variação em graus da rotação do úmero. O coeficiente de correlação interobservadores mostrou boa confiabilidade, e a correlação intraobservadores foi de moderada a excelente.

Nível de evidência: Estudo científico básico, Anatomia, Imagem.

Palavras-chave: Morfologia do Ombro; retroversão da cabeça do úmero; torção do úmero; morfologia do úmero, artroplastia do úmero; fratura do úmero proximal.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da USP (Nº 1076).

O ângulo cabeça-diáfise é um método descrito para avaliação dos desvios no plano coronal do úmero proximal. Este ângulo é usado para planejar artroplastias e osteotomias corretivas. Ele é útil para avaliar os resultados radiográficos de tratamentos cirúrgicos de fraturas do úmero proximal. O ângulo, que tem cerca de 135º, é medido em radiografias em vistas anteroposterior (AP) verdadeiras. No entanto, dor nas articulações ou rigidez podem tornar a correção da posição do braço impossível. Além disso, variações em decorrência de diferentes protocolos para obtenção das imagens, possíveis erros técnicos, e variações anatômicas podem ser impeditivas para a aquisição de imagens padronizadas em vista AP verdadeira. A retroversão do úmero varia muito, de -2º a 60º, com uma média de 26º ± 11º, o que pode alterar a aparência radiográfica da articulação na visão AP verdadeira. Não existem dados publicados que mostrem se diferentes graus de rotação dos braços interferem com a avaliação do ângulo cabeça-diáfise. O objetivo deste estudo foi avaliar, utilizando úmeros secos de cadáveres humanos, a variabilidade do ângulo cabeça-diáfise em diferentes graus de rotação, com variação de 30º de rotação interna a 30º de rotação externa a intervalos de 10º. Os objetivos secundários incluíram cálculos da confiabilidade das medições e descrições do ângulo médio de retroversão e do ângulo cabeça-diáfise das amostras avaliadas.

Métodos

Amostra

Dezoito úmeros de cadáveres adultos (11 homens e 7 mulheres), sem inserções musculares do dos ligamentos, foram avaliados. Foram excluídos cadáveres com imaturidade esqueléticas, osteoartrite da extremidade proximal, ou sinais de fraturas ou cirurgias anteriores. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisa local.

Exames Radiográficos

As imagens radiográficas foram adquiridas com o Sistema DuoDiagnostic (Philips Medical Systems, Hamburgo, Alemanha). Os espécimes foram posicionados na vertical e fixados a um dispositivo que garantia controle rotacional (Fig. 1). O úmero foi fixado com parafusos no epicôndilo medial e lateral, pinos na região diafisária, e um parafuso na região proximal, alinhado ao eixo longitudinal. Para identificar a visão AP verdadeira de cada espécime, um anel de metal foi colocado em torno do colo anatômico. A posição inicial do úmero foi atingida através de controle visual e, em seguida analisada com o auxílio de radioscopia. A porção proximal do úmero foi considerada estar em posição AP verdadeira quando acontecia uma sobreposição total às porções frontais e traseiras do anel. Neste ponto, o grau da retroversão do úmero podia ser determinado com base no molde que sustentava o espécime, as diferenças entre o eixo biepicondilar e a vista AP verdadeira foram consideradas (Fig. 2). Após a remoção completa do anel metálico, as radiografias eram retiradas na posição inicial, e depois em rotação externa e interna de 10º, 20º e 30º (Fig. 3).

 

Figura 1 Dispositivo usado para posicionar o úmero: parafuso posicionado no eixo longitudinal no úmero (A), pinos afixando a diáfise (B), e parafusos afixando os epicôndilos medial e lateral (C).

Figura 1 Dispositivo usado para posicionar o úmero: parafuso posicionado no eixo longitudinal no úmero (A), pinos afixando a diáfise (B), e parafusos afixando os epicôndilos medial e lateral (C).

Figura 2 Disco com escala de graus, localizada na base do dispositivo. O grau de retroversão foi determinado pelo eixo biepicondilar após a definição da vista AP verdadeira da região proximal.

Figura 2 Disco com escala de graus, localizada na base do dispositivo. O grau de retroversão foi determinado pelo eixo biepicondilar após a definição da vista AP verdadeira da região proximal.

 

Figura 3 Radiografias em vários graus de rotação: (A) 30º em rotação interna; (B) 20º em rotação interna; (C) 10º em rotação interna; (D) em rotação neutra; (E) 10º em rotação externa; (F) 20º em rotação externa; (G) 30º em rotação externa.

Figura 3 Radiografias em vários graus de rotação: (A) 30º em rotação interna; (B) 20º em rotação interna; (C) 10º em rotação interna; (D) em rotação neutra; (E) 10º em rotação externa; (F) 20º em rotação externa; (G) 30º em rotação externa.

Avaliadores

As radiografias foram avaliadas por 3 cirurgiões de ombro e cotovelo (E.A.M., J.H.A., and M.E.C.G.) com experiência de 8 a 10 anos. Os avaliadores receberam material educativo com os detalhes acerca do procedimento de como avaliar as medidas. Os examinadores estavam alheios aos graus de rotação dos espécimes anatômicos nas diferentes radiografias. Não havia limite de tempo para calcular os ângulos, e não houve contato entre os examinadores. Após 3 meses, os mesmos cirurgiões ortopédicos recalcularam as medidas sendo que as radiografias foram apresentadas em ordem diferente.

Medição radiográfica

O ângulo cabeça-diáfise foi obtido da interseção entre a linha traçada ao longo do eixo da diáfise do úmero e uma linha perpendicular ao colo anatômico (Fig. 4). As imagens foram analisadas através de um sistema de arquivo e comunicação de imagem (iSite; Philips Medical Systems, Best, Holanda).

Cálculo da amostra

Para o cálculo da amostra, usamos uma diferença de 5º como valor mínimo significativo. O desvio padrão usado foi de 4,6º, com base no estudo de Pearl e Volk. Considerando uma erro beta de 0,90 e um erro alfa de 0,05, 18 úmeros eram necessários.

A normalidade dos dados foi testada usando o teste Shapiro-Wilk. A medições do ângulo cabeça-diáfise em diferentes graus de rotação são apresentados como desvios medio e padrão, assim como a retroversão medida em vista AP verdadeira. A análise da variância foi utilizada para determinar se havia diferenças de significância estatística entre as medições realizadas nos diferentes graus de rotação do úmero. O nível de significância foi estabelecido como P < .05. As confiabilidades inter/intraobservadores foi analisada através do coeficiente de correlação interclasse (CIC) para medidas individuais de cada grupo de radiografias em variados graus de rotação do úmero. Foi calculado um intervalo de confiança de 95% para os coeficientes de confiabilidade. Os valores do CIC apresentavam variação de 0 a 1, com 1 indicando confiabilidade perfeita, e a interpretação foi a seguinte: confiabilidade fraca para valores abaixo de 0.20, confiabilidade suficiente para valores de 0.21 a 0.40, moderada de 0.41 a 0.60, boa de 0.61 a 0.80 para 1.00.

A análise estatística foi realizada usando o software SPSS 20.0 Para Mac (SPSS Inc., Chicago, IL, USA).

Resultados

Para úmeros em posição neutra, com médias de 2 medições dos 3 examinadores, o ângulo cabeça-diáfise foi de 137º ± 4º. Com o espécime anatômico posicionado com rotação externa e interna crescente, a maior diferença foi de 2 graus se comparada com os valores observados na posição neutra (Tabela I), o que não é significativo (P = .911). A retroversão média da cabeça do úmero foi de 27º ± 10º. As medições do ângulo cabeça-diáfise mostraram um bom coeficiente de correlação interobservadores, apresentando valores de 0,788 (0,728 – 0,839) para todas as medidas. A Tabela II mostra os valores CIC para cada grupo de radiografias em diferentes graus de rotação do úmero, com valores que variam de 0,771 a 0,829. A medições apresentaram coeficientes de correlação com variação de 0,536 a 0,938. A correlação foi boa/excelente para os observadores 1 e 3 e moderada/boa para o observador 2 (Quadro III).

Discussão

Os nossos resultados indicaram um ângulo cabeça-diáfise de 137º ± 4º. Pearl e Volk, em estudo que avaliou 21 úmeros secos, reportaram uma média de 40,7º ± 4,7º, que equivale a 130,7º se medida com a técnica descrita por Agel e al. que usamos em nosso estudo. Outros autores relataram valores entre 130º e 135º, mas estas medições foram obtidas em avaliações de osteossíntese, não em úmeros intactos. Com o aumento da rotação externa e interna, a maior diferença foi de < 2, diferente do valor observado na posição neutra, o que não é significativo. A retroversão média da cabeça do úmero em nossa amostra foi de 27º ± 10º, similar ao relatado em outros artigos. Matsumura et al, num estudo que avaliou 410 indivíduos assintomáticos através de tomografias, relataram valores de 26º ± 11º. Pearl e Volk estudaram radiografias de úmeros secos e reportaram valores médios de 29,8.

Figura 4 Medições do ângulo cabeça-diáfise: eixo diafisário do úmero (A), colo anatômico (B), perpendicular do colo anatômico (C), e ângulo cabeça-diáfise (D).

Figura 4 Medições do ângulo cabeça-diáfise: eixo diafisário do úmero (A), colo anatômico (B), perpendicular do colo anatômico (C), e ângulo cabeça-diáfise (D).

Tabela I Ângulo entre a cabeça do úmero e a diáfise de cada grupo de radiografias com graus variados de rotação.

Posição Ângulo colo-diáfise
Neutro

10 RI

20 RI

30 RI

10 RE

20 RE

30 RE

138

138

137

139

138

138

138

 

RI, rotação interna; RE rotação externa.

 

Tabela II confiabilidade Interobservadores para cada grupo de radiografias com diferentes graus de rotação

Posição CIC (95% IC)
Neutro 0.790 (0.606-0.908)
10 RI 0.819 (0.653-0.921)
20 RI 0.812 (0.642-0.918)
30 RI 0.821 (0.655-0.922)
10 RE 0.771 (0.574-0.898)
20 RE 0.800 (0.621-0.912)
30 RE 0.829 (0.670-0.926)

CIC, coeficiente de correlação interclasse, intervalo de confiança, RI, rotação interna; RE, rotação externa.

O coeficiente de correlação interobservadores foi bom, e os valores intraobservadores variaram de moderado a excelente, o que demonstrou que as medidas do ângulo cabeça-diáfise são confiáveis. Os dados obtidos neste estudo mostram que rotacionar o úmero em um arco de 30º de rotação externa para 30º de rotação interna em vista AP verdadeira não interfere com as medições do ângulo cabeça-diáfise. Este ângulo representa a deformidade em valgo ouvaro da porção proximal do úmero e possui implicações práticas no planejamento cirúrgico de artroplastias e osteotomias. A avaliação da qualidade da redução de fraturas é outro uso para este ângulo.

Dadas as possíveis variações técnicas e de posicionamento resultantes dos diferentes protocolos de aquisição de imagens ou da condição do paciente, é importante determinar se as medições deste ângulo são alteradas em decorrência do grau de rotação do braço. Embora não haja estudos do ombro semelhantes com os quais possamos comparar os nossos resultados, a influência que a rotação tem nas radiografias foi estudada na articulação da quadril. Kay et al. reportaram que as imagens tiradas em ângulos de 70º de rotação interna e 30º de rotação externa não alteram, de forma significativa, as medidas angulares. Assim como no ombro, este ângulo faz parte da rotina de planejamento de osteotomias, artroplastias e osteossínteses do quadril.

O nosso estudo tem algumas limitações. Os úmeros foram posicionados no dispositivo que desenvolvemos, de forma manual, que é um possível meio de introduzir viés. No entanto, a retroversão foi semelhante à descrita por Matsumura et al em um estudo que utilizou tomografia computadorizada. O método utilizado para definir a vista AP verdadeira, embora original, é semelhante ao descrito por Pearl e Volk que também relataram resultados semelhantes, o que ajuda a validar as nossas medições. As posições dos úmeros foram definidas a partir da visão AP verdadeira dos úmeros secos, e as diferentes medições de rotação não estão, por via de regra, correlacionadas com as obtidas durante uma avaliação clínica. Para tal avaliação, seriam necessários voluntários, e o teste os exporia à radiação; contudo uma alternativa seria usar cadáveres com articulações do ombro preservadas. Todavia, a pequena variação entre as medições nos permite concluir que os diferentes graus de rotação não resultariam em diferentes medições na prática clínica. Mais importante, todos os úmeros utilizados aqui eram saudáveis: sem artrite, deformidades ou fraturas.

Os resultados podem não se aplicar a todas as situações clínicas. Novos estudos clínicos, que incluam pacientes com tais patologias, poderiam aumentar o conhecimento da avaliação radiográfica e da legibilidade da medição do ângulo cabeça-diáfise. Destacamos a singularidade da avaliação do ângulo cabeça-diáfise em diferentes graus de rotação e da avaliação da variabilidade intraobservador e interobservador.

Tabela III Confiabilidade intraobservador para cada grupo de radiografias com variados graus de rotação

Posição                                 Observador 1                                             Observador 2                                               Observador 3

CIC (95% IC) CIC (95% IC) CIC (95% IC)
Neutro 0.873 (0.699-0.950) 0.542 (0.125-0.799) 0.835 ( 0.619-0.934)
10 RI 0.825 (0.599-0.930) 0.590 (0.194-0.823) 0.915 (0.793-0.967)
20 RI 0.786 (0.523-0.914) 0.536 (0.117-0.796) 0.896 (0.750-0.960)
30 RI 0.795 (0.539-0.917) 0.614 ( 0.231-0.835) 0.899 (0.755-0.961)
10 RE 0.861 (0.673-0.945) 0.556 (0.145-0.806) 0.938 (0.847-0.976)
20 RE 0.869 (0.689-0.948) 0.687 (0.347-0.869) 0.811 (0.571-0.924)
30 RE 0.936 (0.840-0.975) 0.682 (0.338-0.867) 0.759 (0.473-0.902)

CIC, coeficiente de correlação interclasse, intervalo de confiança, RI, rotação interna; RE, rotação externa.

Acreditamos que as diferenças não significativas que observamos indica as variações inevitáveis de técnica e posicionamento durante a obtenção das imagens radiográficas não afetam a avaliação dos ângulos cabeça-diáfise. 

Conclusão

O ângulo da cabeça-diáfise não mudou, de forma significativa, apesar da variação em graus da rotação do úmero. O coeficiente de correlação interobservadores mostrou boa confiabilidade (0,788) e a correlação intraobservadores foi de moderada a excelente (0,536-0,938). Os valores obtidos para o ângulo cabeça-diáfise e para a retroversão foram, em respectivo, de 137º ± 4º e de 27º ± 10º.

Exoneração

Os autores, suas famílias imediatas, e qualquer fundação de pesquisa com a qual estão afiliados não receberam quaisquer pagamentos financeiros ou outros benefícios de qualquer entidade comercial relacionada ao assunto deste artigo.

 

 

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