Fratura da clavícula e da segunda costela: uma lesão indireta em mergulho no banco para tríceps
Um aumento no número de lesões é esperado devido ao recente aumento no interesse por treinos de força, seja lesões dos tendões, dos músculos ou dos ossos. Descrevemos um caso de fratura envolvendo o terço médio da clavícula e a segunda costela num halterofilista amador.
As fraturas ocorreram de forma súbita durante a realização de um exercício de mergulho no banco para tríceps, e o paciente não apresentava sintomas até então. Foi tratado de forma conservadora e capaz de retornar ao esporte seis meses depois. Até onde sabemos, este é o primeiro estudo que descreve a associação dessas fraturas desencadeadas por um único evento de contração muscular.
Cerca de 15 a 20% da população realiza algum tipo de treinamento de força, e este tipo de exercício vem mostrando um aumento de procura nos últimos tempos. Exercícios de fortalecimento muscular são muito associados a lesões no ombro, no entanto, houve poucos relatos de fraturas da clavícula ou das costelas associados com a prática de levantamento de peso. Há apenas dois casos relatados de fraturas de clavícula em decorrência de atividade física de baixo impacto, e apenas uma delas foi causada por evento único de contração muscular. Fraturas nas costelas também têm relação com esportes, seja por estresse ou por trauma contuso. Contração muscular violenta também foi descrita como mecanismo traumático em fraturas de costelas.
Neste artigo, descrevemos um caso de fratura que ocorreu de forma repentina após evento único de contração muscular envolvendo o terço médio da clavícula e a segunda costela em um halterofilista amador, sem sintomas prévios. O paciente deu consentimento por escrito para a publicação de seu caso, e a comissão de revisão institucional do nosso hospital aprovou a apresentação deste relatório de caso.
Relatório de caso
Um homem caucasiano de 40 anos de idade, destro, relatou o início de dor súbita no ombro enquanto fazia um exercício de mergulho no banco para tríceps, no instante em que elevava o tronco. Relatou ter ouvido um estalo na hora. A dor não foi incapacitante. Ele interrompeu o exercício, mas continuou com as atividades na academia. Só se encaminhou até a emergência horas depois, quando os sintomas pioraram. Vinha realizando treino de peso de baixa intensidade, 3 vezes por semana há 4 meses. A rotina envolvia os exercícios de peso para peito, costas, ombros e braços como mostrado na Tabela I.
Tabela I. — Rotina de exercícios de peso do paciente. | ||
exercício | Séries | Repetições |
Supino | 3 | 12 |
Mergulho no banco | 3 | 10 |
Puxada com polia | 3 | 12 |
rosca martelo alternada | 3 | 10 |
levantamento alternado de deltoide | 3 | 1 |
Ele não apresentava hipertrofia muscular e não havia modificado sua rotina recentemente. Nunca usou esteroides e não declarou nenhuma comorbidade. Seu índice de massa corporal era de 23,8. Trabalhava como inspetor de construção e sua função não demandava esforço físico ou movimentos repetitivos. A radiografia realizada na emergência mostrou uma fratura completa sem desvio do terço médio da clavícula (Figura 1).
A tomografia computadorizada (TC) confirmou o diagnóstico e detectou uma fratura adicional da segunda costela (figuras 2, 3). Não foram encontradas evidências de neoplasma. As análises sanguíneas realizadas (hemograma, eletroferese de proteínas, cálcio, magnésio, fósforo, vitamina D, glucose, creatinina, sódio e potássio) não mostraram anomalias. A densitometria revelou osteopenia (escore padrão de -2,1 na lombar e -1,7 no fêmur) com menor massa óssea do que o esperado para sua idade. Não foram detectadas causas para a osteopenia que foi classificada como idiopática e tratamento com cálcio foi iniciado.
O braço permaneceu imobilizado durante 6 semanas. Durante as primeiras 4 semanas, apenas movimentos de cotovelo, punho e dedos foram realizados. Após esse período, foi permitido exercícios passivos do ombro. Exercícios ativos livres assistidos foram iniciados após a semana 6, quando o uso da tipoia foi descontinuado. O paciente foi liberado para as atividades habituais que não exigiam esforço físico e treinamento ativo dos músculos da escápula ao fim da semana 6.
Os exercícios foram encolhimento de ombros e apertar as escápulas. Aos 3 meses, a amplitude de movimento era normal e o paciente iniciou com exercícios de fortalecimento com ênfase no manguito rotador, músculos paraescapular e deltoide. Os exercícios realizados para fortalecimento do manguito rotador foram de rotação externa/ interna isométrica contra uma parede e rotação interna/externa com resistência através do uso de elásticos. Outros exercícios realizados foram: remada, exercícios para o trapézio inferior, encolhimento, deltoide posterior, levantamento alternativo de deltoide e flexão. A avaliação radiográfica não mostrou desvio de fratura na semana 3, mostrou a formação de calo ósseo na semana 6 e consolidação aos 3 meses. No mês 6 (figura 4), o paciente estava assintomático e retornou a prática de esportes com a recomendação de evitar a prática de mergulhos no banco. A pontuação na escala UCLA foi de 35 pontos (pontuação máxima). Aos 12 meses, os resultados funcionais e radiológicos permaneceram inalterados.
Discussão
Exercícios de fortalecimento muscular em geral são associados a lesões no ombro, tais como osteólise da clavícula distal e proximal, ruptura da cabeça longa dos bíceps e peitoral maior, e luxações glenoumerais. Houve poucos relatos de fraturas da clavícula e das costelas associadas com a prática de levantamento de peso. Durante a realização de supino, mergulhos e desenvolvimento, as articulações esternoclavicular e acromioclavicular estão sujeitas a forças de compressão e distração significativas, o que explicam as lesões adjacentes a estas fraturas de clavícula e lesões nas articulações em atletas que, em geral, são causadas por eventos traumáticos, e as fraturas, muitas vezes, são resultado de golpe direto ou queda com o braço esticado.
Trauma contuso é a causa principal de fraturas nas costelas durante a prática de esportes. As fraturas por estresse são pouco frequentes nos membros superiores, e a maioria dos estudos são relatos e séries de casos. Menos de 3% das fraturas por estresse que afetam os membros superiores e a cintura escapular envolvem a clavícula. A primeira costela é afetada em 18 a 20% dos casos e as costelas inferiores em 13 a 15%. As fraturas por estresse na clavícula estão relacionadas com atividades desportivas, tiques nervosos e esvaziamento cervical radical.
Quando associada ao treino físico, a maioria das fraturas por estresse que afetam a clavícula ou as costelas ocorrem em atletas de alto rendimento. Houve apenas dois relatos de fraturas na clavícula associadas a atividade esportiva amadora, onde o paciente realizava atividade física com o intuito de manter-se em forma, e apenas um deles não envolve mecanismo de estresse, mas sim uma súbita contração muscular violenta.
Gill e Mbubaegbu descreveram um caso em que os sintomas começaram de forma repentina, a fratura afetou o terço médio do osso, e o paciente melhorou com tratamento conservador, semelhante ao caso relatado neste artigo. Acreditamos que o fator causal das fraturas em nosso paciente foi uma contração súbita e violenta do músculo peitoral maior, como relatado por estes autores. A contração muscular violenta também foi descrita como mecanismo traumático para fraturas das costelas. Este músculo origina-se na clavícula, esterno e costelas, o que também explicaria a fratura do segundo arco costal. Pode ser que a clavícula já estivesse enfraquecida devido ao treino regular de resistência, e este foi o evento derradeiro que levou à falência do osso, embora tal hipótese não seja amparada pelo histórico do paciente já que ele era assintomático até o ocorrido.
Em contraste com o relatório anterior, o caso descrito neste artigo mostra uma associação entre as fraturas da clavícula e da segunda costela. Até onde sabemos, este é o primeiro estudo que descreve a associação destas fraturas desencadeadas por um mecanismo de sobrecarga. Os fatores causais das fraturas relacionadas com a prática desportiva incluem baixa densidade mineral óssea, deficiência em vitamina D, má condição física, sexo feminino e amenorreia.
A intensidade excessiva da prática de exercícios e os erros de técnica também foram mencionados como possíveis fatores para predisposição. Consideramos que, no caso em questão, não houve erros técnicos, já que os exercícios foram realizados sob supervisão, nem houve excessos, como descrito na rotina de exercício do paciente. A osteopenia foi o principal fator de risco.
Conclusões
A prática de exercícios de fortalecimento está aumentando em popularidade. Espera-se que o maior número de praticantes gere um aumento no número de lesões, quer dos tendões, músculos ou ossos. O caso aqui descrito mostra que as fraturas na clavícula e nas costelas devem ocorrer mesmo quando a atividade física não é excessiva.
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