Acurácia da ressonância magnética pré-operatória no diagnóstico de patologias da cabeça longa do bíceps
Objetivos: Avaliar a acurácia das imagens por ressonância magnética (RM) na detecção de patologias da cabeça longa do tendão bicipital (CLB). O objetivo secundário era investigar fatores preditivos para a ocorrência de lesões e instabilidade.
Métodos: Esta série de casos retrospectiva incluiu pacientes submetidos a artroscopia do ombro devido a lesões no manguito rotador. A ressonância magnética foi realizada num aparelho de 1.5T e foi avaliada por um radiologista musculoesquelético. Os resultados foram comparados com os da inspeção artroscópica.
Resultados: Um total de 90 ombros foram analisados. Em relação às lesões, tivemos 67% de sensibilidade e 98% de especificidade. No que diz respeito às instabilidades, os valores foram de 53% e 72%, respectivamente. Lesões e degeneração gordurosa no infraespinhal são fatores preditivos para rupturas na CLB. Rupturas no subescapular e no infraespinhal, retração do supraespinhal e do infraespinhal igual ou superior a 30 mm, degeneração gordurosa do infraespinhal e do subescapular são fatores preditivos de instabilidade.
Conclusão: Em comparação com a artroscopia, a ressonância magnética do ombro tem sensibilidade de 67% e especificidade de 98% para a detecção de ruptura total da cabeça longa do bíceps. Quanto às instabilidades, os valores foram de 53% e 72%, respectivamente.
Introdução
A cabeça longa do bíceps (CLB) pode ser fonte de dor ou de alguma disfunção do ombro. No entanto, o envolvimento deste tendão não é fácil de ser detectado entre as patologias do manguito rotador, e os testes clínicos não mostram alta precisão de diagnóstico. O tratamento para problemas da CLB pode ser necessário de forma secundária para tendinite, rupturas parciais ou totais, instabilidade e lesões SLAP. Se o tratamento não cirúrgico falhar, as opções de tratamento incluem tenodese ou tenotomia.
Ambas as técnicas são viáveis por artroscopia, com melhora clínica significativa. Testes de imagem, tais como ultrassonografia, artrotomografia, ressonância magnética (RM) e artrorressonância magnética têm sido usados para auxiliar o diagnóstico. O diagnóstico por artroscopia é considerada a modalidade padrão ouro de diagnóstico para lesões intra-articulares do bíceps. Até o momento, três estudos avaliaram a precisão de diagnóstico da RM na detecção de distúrbios da CLB, com sensibilidades de 52 – 69,8% e especificidades de 86-98% para ruptura total. Estes estudos não avaliaram a estabilidade dos tendões. O presente estudo visava avaliar a precisão da ressonância magnética pré-operatória para identificar lesões e instabilidade da CLB, e compara este método de detecção com a inspeção artroscópica. Como objetivo secundário, o estudo pesquisou as características demográficas que podem ser fatores indicativos para a presença de patologias neste tendão.
1. Métodos
Foi realizado um estudo retrospectivo de uma série de casos, correlacionando os resultados da RM pré-operatória (teste index) com os resultados da inspeção artroscópica (padrões de referência). O Comitê de ética local aprovou este estudo (número de referência 944). Os critérios de inclusão foram ressonância magnética pré-operatória e cirurgia realizada por artroscopia para o tratamento de lesões do manguito rotador entre setembro de 2008 e setembro de 2012. O estudo excluiu casos sem informações das condições da CLB na descrição cirúrgica e com intervalo maior que um ano entre a RM e a artroscopia.
2. Resultados
Um radiologista musculoesquelético com 7 anos de experiência avaliou a RM prospectivamente e estava cego aos achados cirúrgicos. Foram investigadas as seguintes variáveis:
1) Integridade dos tendões supraespinhal, infraespinhal e subescapular. O tendão supraespinhal foi categorizado como tendo ruptura parcial ou completa, enquanto os tendões infraespinhal e subescapular foram classificados como intactos ou rompidos (neste caso, as lesões parciais e completas foram consideradas em conjunto). Casos de ruptura do supraespinhal e infraespinhal foram categorizados como grande ou extensa (retração maior do que ou igual a 30 mm) ou pequenas e médias (retração menor do que 30 mm), de acordo com a classificação de DeOrio e Cofield.
2) Grau de degeneração gordurosa dos músculos do manguito rotador (supraespinhal, infraespinhal e subescapular), de acordo com Fuchs et al.
3) Envolvimento da CLB em relação à integridade (intacta ou rompida) e à estabilidade (estável ou instável); em casos de ruptura, esta variável não se aplica. Tendões deslocados ou subluxados foram considerados instáveis.
4) Intervalo Coracoumeral, medido pela distância mais curta entre a cortical lateral do processo coracoide e o tubérculo menor do úmero, em corte axial. A partir dos registros médicos e cirúrgicos, um especialista em cirurgia ortopédica do ombro e cotovelo coletou as seguintes variáveis:
1) lesão CLB (tendão intacto ou rompido).
2) estabilidade da CLB (estável ou instável; em casos de ruptura variável não aplicada).
Os dados epidemiológicos dos pacientes também foram analisados (idade e sexo).
3. Intervenção
3.1. Ressonância magnética
A ressonância magnética foi realizada com ímã de 1.5T usando uma bobina de ombro específica. O protocolo para obtenção das imagens incluía varredura coronal oblíqua para obtenção da densidade de prótons (2,800/38; FOV 14 cm; espessura do corte 3,5 mm; espaço de 0,4 mm; matriz de 320 x 256), imagens axiais, coronais oblíquas e sagitais oblíquas com supressão de gordura, ponderadas em T2 (3,400/50; FOV, 14 cm; espessura do corte 3,5 mm; espaço de 0,4 mm; matriz de 320 x 256) e imagens sagitais oblíquas ponderadas em T1 (780/15; FOV 14 cm; espessura do corte 3,5 mm; espaço de 0,4 mm; matriz de 320 x 256). Não foi utilizado gadolínio intra-articular nem intravenoso em nenhum dos exames.
3.2. Artroscopia
Os procedimentos artroscópicos foram realizados sob anestesia geral em associação com bloqueio interescalênico. O paciente foi posicionado em uma cadeira de praia, e portais posteriores, anteriores, laterais e ântero-laterais foram usados. A aparência da CLB foi pesquisada com equipamentos ópticos de 30◦ posicionados no portal posterior. A CLB foi palpada com um probe, em busca de lesões totais e instabilidade. Tendões que apresentavam subluxação dinâmica ou estática ou luxação foram considerados instáveis, e o teste de rampa e visualização direta do sistema de polias foram utilizados.
3.3. Análise estatística
As variáveis contínuas foram submetidas à avaliação da normalidade utilizando o teste de Kolmogorov–Smirnov e à avaliação da homogeneidade utilizando o teste de Levene. As variáveis contínuas foram apresentadas como desvios médio e padrão e as variáveis categóricas como valores absolutos e percentuais. Comparações entre grupos sobre a presença ou ausência de lesões ou instabilidade da CLB foram realizadas usando o Teste de χ2 ou o teste exato de Fisher para variáveis categóricas e o teste t de Student para variáveis contínuas. A sensibilidade, especificidade e valores preditivos positivos e negativos foram descritos com intervalos de confiança de 95%. O software SPSS versão 20.0 (SPSS Inc, Chicago, IL) foi usado para análise de dados em um nível de significância de 5%.
4. Resultados
Durante o período de estudo, 212 pacientes com lesões no manguito rotador foram submetidos a cirurgia para a lesão do manguito rotador. Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, 90 pacientes permaneceram. As características gerais da amostra, de acordo com a presença ou ausência de lesões ou instabilidade da CLB, são apresentadas nas Tabelas 1 e 2, respectivamente. As comparações entre os resultados da RM e da artroscopia são descritas na Tabela 3. Seis casos de ruptura da CLB foram diagnosticados por ressonância magnética e artroscopia, no entanto obtivemos 2 casos falsos positivos e falsos negativos. A sensibilidade da lesão do bíceps foi de 67% e especificidade de 98%. Quanto à instabilidade, os valores foram de 53% e 72%, respectivamente. Os valores relativos à sensibilidade, especificidade, valores preditivos positivos e negativos e taxas de probabilidade positivas e negativas são apresentadas na Tabela 4. O intervalo médio entre a RM e a artroscopia foi de 152,66 ± 81,33 dias.
Imagens da lesão do Bíceps e instabilidade podem ser vistas nas imagens 1 e 2, respectivamente.
5. Discussão
A sensibilidade e especificidade da RM na análise de rupturas completas da CLB foram de 67% e 98%, respectivamente. Estes valores são semelhantes aos relatados em outros estudos que avaliaram a incidência de lesões completas com o uso de RM sem contraste intra-articular. Dubrow et al. relataram sensibilidade de 56,3% e especificidade de 98%, enquanto Mohtadi et al. relataram sensibilidade de 69,8% e especificidade de 94%. Beall et al., também usando RM sem contraste, alcançaram resultados de menor especificidade (86%); no entanto, os autores realizaram uma análise conjunta de lesões parciais e totais. Com a utilização da artrorressonância magnética, a os valores de sensibilidade variaram de 89 a 92%, relataram especificidade de 100%. Sabe-se que o uso do contraste influencia o diagnóstico de forma positiva na análise das lesões do manguito rotador, como mostrado na metanálise de Jesus et al. Para a análise da CLB, acreditamos que o mesmo ocorre, embora o número de artigos publicados sobre o assunto não permita uma conclusão definitiva. No entanto, o uso de contraste intra-articular é um procedimento invasivo com riscos inerentes ao paciente. Na análise de instabilidade da CLB, os resultados mostraram sensibilidade de 53% e especificidade de 72%.
Vários estudos de precisão diagnóstica envolvendo ressonância magnética convencional ou artrorressonância magnética não abordam esta patologia, o foco, ao invés disso, está nas rupturas. De Maeseneer et al. notificaram sensibilidade de 0 a 66% e especificidade de 94 a100% na análise da RM. Os estudos de precisão utilizando ultrassonografia descrevem valores de sensibilidade de 83 a 100% e especificidades de 100%. Acredita-se que os valores de ultrassonografia mais elevados no diagnóstico de instabilidade da CLB podem estar relacionados com o fato de que a ultrassonografia é um exame dinâmico, ao contrário da ressonância magnética.
A baixa sensibilidade observada tanto no presente estudo como por outros autores pode ser explicada por vários fatores. O tecido cicatricial remanescente no sulco bicipital após uma ruptura total pode assemelhar-se a um tendão parcialmente intacto. A proximidade da lesão ao manguito rotador muitas vezes associado, pode prejudicar o diagnóstico. No presente estudo, todos os pacientes apresentavam lesões no manguito. O sentido oblíquo da CLB na articulação pode impedir a análise de imagem. Além disso, as sequências de aquisição são, em geral, destinadas a detectar lesões no manguito rotador e não são específicas para o bíceps. A distensão sinovial no sulco bicipital e a rotação do ombro podem, por sua vez, dificultar o diagnóstico de luxação. O intervalo médio de 152 dias entre a RM e a artroscopia pode causar viés. Apesar de uma ruptura do tendão poder ocorrer entre o exame e a artroscopia, nenhum paciente relatou trauma ou sintomas sugestivos de ruptura da CLB durante este período. Casos de falso negativo são registrados mesmo com o tempo entre a RM e a artroscopia inferior a uma semana. No entanto, o prazo de 1 ano entre o exame e a artroscopia é aceito em análises de precisão e tem sido usado por vários autores, inclusive em uma revisão sistemática.
Através da análise univariada, nossos resultados mostraram que lesões e degeneração gordurosa do infraespinhal são fatores preditivos para lesões na CLB. De acordo com Fuchs et al, foram fatores preditivos para a instabilidade: Lesões no infraespinhal e subescapular, retrações igual ou maior que 30 mm do supraespinhal e infraespinhal, e degeneração gordurosa do infraespinhal e subescapular de grau II ou III. A presença de lesões no supraespinhal não pode ser usada como um fator preditivo para lesões ou instabilidade porque todos os pacientes na amostra apresentavam alguma lesão do tipo.
Não foi observada correlação ao comparar lesões parciais e completas. Beall et al. realizaram uma avaliação dos fatores preditivos para lesões da CLB utilizando a RM também numa análise univariada. Os autores não avaliaram indicadores de instabilidade. Em contraste com os resultados do presente estudo, os autores observaram que as lesões subescapulares e supraespinhais são fatores preditivos de lesões, enquanto que as lesões infraespinhais não mostraram nenhuma correlação. Os outros estudos não efetuaram avaliação de fatores preditivos. As discrepâncias nos resultados podem ser explicadas pelas características da amostra e pelo viés de seleção. Estudos futuros com tamanhos de amostra maiores e usando metanálise ou análise multivariada podem lançar luz sobre o assunto. O tamanho da amostra de nosso estudo foi maior do que o da maioria dos estudos. Além disso, apenas um protocolo de ressonância magnética padronizado foi usado. Beall et al., com um tamanho de amostra maior que o nosso, usaram vários protocolos de aquisição e incluiu oito pacientes submetidos a Artrorressonância na análise. A análise de fatores preditivos para lesões no bíceps também é pouco relatada na literatura.
O presente estudo tem algumas limitações. A análise intra-operatória foi realizada em retrospectivamente. O estudo da ressonância magnética, embora realizado sob mascaramento aos resultados cirúrgicos, envolveu apenas um radiologista musculoesquelético. Além disso, o radiologista estava ciente da finalidade do estudo, o que pode ter sido uma influência positiva à detecção de patologias da CLB. A análise também é limitada pelo fato de que apenas lesões completas do tendão supraespinhal foram avaliadas. O aparelho de ressonância magnética utilizado no estudo era de 1.5T e o exame foi realizado sem o uso de contraste intra-articular. O uso de aparelhos 3T com contraste intra-articular aumenta a precisão da detecção de lesões no manguito rotador. As nossas descobertas têm implicações práticas para o cirurgião ortopédico e o radiologista. Para o cirurgião, demonstram a necessidade de uma inspeção artroscópica padrão, mesmo na ausência de patologias no exame de imagem, devido à possibilidade de resultados falsos negativos. Para o radiologista, oferecem uma descrição de fatores preditivos que podem ajudar na suspeita de diagnóstico, além do estímulo para realizar estudos adicionais e protocolos específicos para a aquisição de imagens da CLB.
6. Conclusão
Em comparação com a artroscopia, a ressonância magnética do ombro tem sensibilidade de 67% e especificidade de 98% para a detecção de rupturas completas do CLB. Os valores para instabilidade foram de 53% e 72%, respectivamente. Lesões e degeneração gordurosa do infraespinhal são fatores preditivos para lesões da CLB, enquanto que as rupturas do infraespinhal e do subescapular, retrações iguais ou superiores a 30 mm do infraespinhal e supraespinhal e degeneração gordurosa do infraespinhal e do subescapular são fatores preditivos para instabilidade.
7. Conflito de interesses
Os autores declaram que não têm qualquer conflito de interesses.
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