A tendinopatia do manguito rotador é a principal causa de dor no ombro e as rupturas destes tendões afetam 20,7% da população. O número crescente de reparos cirúrgicos dessas lesões gera altos custos aos sistemas de saúde. O reparo artroscópico do manguito rotador gera resultados clínicos satisfatórios em até 93% dos pacientes. No entanto, a taxa de reincidência da lesão varia de 4 a 94%.
Diversos fatores intrínsecos ao paciente, a lesão ou cirurgia foram associados aos resultados do tratamento das lesões no manguito rotador. Fatores de prognóstico importantes auxiliam na identificação dos pacientes com elevado risco de desenvolvimento insatisfatório, e assim elaborar estratégias que reduzam a reincidência.
Diversos estudos buscam correlação de forma isolada ou fragmentada. Alguns poucos realizaram de forma independente, através de análise multivariada, a busca por indicadores de resultados para o tratamento cirúrgico do manguito rotador. É conhecido que esta forma de análise reduz os fatores de confusão na avaliação de diferentes critérios.
O desfecho primário deste estudo foi identificar que fatores prognósticos correlacionam, de maneira independente, com o resultado clínico de pacientes submetidos ao reparo do manguito rotador. Como objetivo secundário avaliamos os resultados cínicos do procedimento.
Uma série de casos retrospectiva foi realizada de modo a avaliar os pacientes submetidos ao reparo artroscópico do manguito rotador. Os procedimentos foram conduzidos por cinco cirurgiões diferentes que fazem parte do Grupo de Ombro e Cotovelo de nossa instituição. As cirurgias aconteceram entre Junho de 2006 e Abril de 2013. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética de nossa instituição sob o número 696.
Nossa análise não incluiu pacientes com instabilidade glenoumeral, osteoartrite glenoumeral, capsulite adesiva do ombro, artropatia inflamatória ou que os não passaram por avaliação funcional pós-operatória e consulta de retorno aos 12 meses.
No período pré-operatório, os pacientes foram avaliados clinicamente pelo método da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e imagens de ressonância magnética (RM). Na avaliação pós-operatória, a escala UCLA foi aplicada no acompanhamento aos 12 meses, assim como a análise agrupada de Ellmann.
As seguintes variáveis foram registradas:
1) Intrínseco ao paciente: gênero, idade e lado afetado.
2) Relativo à lesão: tipo de acrômio, tendão afetado, tipo de lesão (parcial ou completa), classificação de DeOrio e Cofield para rupturas posterioro-superiores e a classificação de Lafosse et al. das lesões subescapulares.
3) Relativo à intervenção: procedimento efetuado na porção superior posterior do manguito rotador (supraespinhal e/ou infraespinhal) e subescapular (nenhum, desbridamento, reparo parcial ou completo), na cabeça longa do bíceps (nenhum, tenotomia ou tenodese), na porção distal da clavícula (nenhum, ressecção dos osteófitos inferiores ou procedimento de Mumford) e acromioplastia.
Os procedimentos foram realizados sob anestesia geral em associação com bloqueio interescalênico. Foi administrada, por 24h, profilaxia antimicrobiana através de cefalosporina de 1ª geração. Os pacientes foram posicionados em cadeiras de praia e os portais convencionais (posterior, anterior e lateral) foram usados. Quando necessário, portais adicionais foram abertos.
Uma bursectomia foi realizada em todos os casos. Acromioplastia foi feita em todos os casos em que havia lesão envolvendo o supraespinhal e em que se ficou assegurado de que era completamente reparável e não parte de uma ruptura extensa. O procedimento no tendão do bíceps foi realizado em casos com lesões parciais ou instabilidade. A tenotomia foi a escolha para pacientes com mais de 60 anos e a tenodese para pacientes mais jovens. A ressecção da porção distal da clavícula foi indicada em situações em que sintomas envolvendo dor eram associados à patologia da articulação acromioclavicular. A sutura do manguito rotador foi realizada após desbridamento do tubérculo maior, através de fileira única de âncoras e nós deslizantes.
Durante o pós-operatório os pacientes permaneceram com tipoia por seis semanas. Movimentos ativos do cotovelo, pulso e dedos foram iniciados logo no primeiro dia. Depois de três semanas foram iniciados movimentos passivos do ombro, permitindo até 90º de flexão, rotação externa e abdução. Após seis semanas realizaram-se movimentos ativos livres e assistidos em todos os planos. Após três meses iniciou-se alongamento.
Variáveis contínuas foram analisadas normalmente através do teste de Kolmogorov-Smirnov e a homogeneidade foi avaliada pelo teste de Levene.
O teste não paramétrico de Wilcoxon foi usado para analisar o impacto do tratamento cirúrgico na escala funcional UCLA, comparou-se as pontuações pré-operatórias com as pontuações obtidas na consulta de acompanhamento aos 12 meses. Os coeficientes de correlação de Pearson foram calculados para determinar a ligação entre as pontuações pós-operatórias e as variáveis intrínsecas ao paciente, lesão e intervenção. Para variáveis contínuas ou ordinais, uma correlação positiva indica que conforme o valor da variável sobe, a pontuação pós-operatória também é maior.
Uma correlação negativa indica o oposto. Para variações dicotômicas, uma correlação positiva indica que quando a variável está presente, a pontuação pós-operatória é maior. Uma correlação negativa indica o oposto. No tocante ao gênero, uma correlação positiva indica que mulheres possuem uma pontuação pós-operatória maior. Por outro lado, uma correlação negativa indica melhores resultados em homens.
Realizamos regressão linear multivariada de modo a definir as variáveis independentes que influenciam os resultados clínicos ao fim do período de acompanhamento.
Para a análise de dados usamos o software SPSS versão 20.0 e adotamos um nível de significância de 5%.
No período de estudo, 491 pacientes com patologias do manguito rotador foram operados em nossa instituição. Após a seleção pelos critérios de inclusão e não inclusão, nosso estudo incluiu 131 pacientes (131 ombros). Destes, 80 (61,1%) eram do sexo feminino e 99 (75,6%) tiveram o lado direito operado. A média de idade era de 54,97 ± 8,79 anos.
As variáveis relacionadas com a lesão, definidas pelos exames de imagem pré-operatórios, são mostradas na Tabela 1. As variáveis relacionadas com a intervenção foram detalhadas na Tabela 2.
De acordo com a classificação UCLA, a pontuação média foi de 13,17 ± 3,77 na avaliação pré-operatória e 28,73 ± 6,09 aos 12 meses de acompanhamento, mostrando melhora significativa (p < 0,001). Obtivemos 47 (35,9%) pacientes com excelentes resultados, 39 (29,8%) com bons resultados, e 45 (34,3%) com resultados insatisfatórios, todos de acordo com a classificação de Ellman.
As correlações entre as variáveis intrínsecas ao paciente, relativas à lesão e à intervenção são mostradas na
Tabela 3: As únicas variáveis que se correlacionaram com o resultado funcional aos 12 meses de pós-operatório foram: idade (r = 0,232, p = 0,004) e com o procedimento realizado em lesões posterioro-superiores (r = 0,151, p = 0,043).
De acordo com regressão linear multivariada, de todas as variáveis, apenas a idade foi correlacionada, de forma independente, com a avaliação funcional aos 12 meses (p = 0,008). A partir dos dados obtidos, podemos esperar uma pontuação mais elevada em 0,161 pontos (variação de 0,043 – 0,242, IC de 95%) pela escala UCLA para cada ano de idade adicional do paciente.
Nossa série incluiu 131 pacientes, um número significativo para a literatura nacional. Checchia et al. e Godinho et al. descreveram os resultados de 141 e 100 doentes, respectivamente. Como outros autores, nossos resultados mostraram melhora significativa com o procedimento. De acordo com a classificação de Ellmann, obtivemos 65,7% de resultados excelentes ou bons, valores semelhantes aos de Godinho et al. (67%), mas inferiores aos de Checchia et al. (93, 7%). Vale notar que realizamos avaliações clínicas de forma padronizada aos 12 meses, ao contrário de outros estudos (acompanhamento médio de 24 meses em ambos os casos). Com um acompanhamento mais longo pode-se esperar um aumento da pontuação.
McElvany et al. realizaram uma metanálise avaliando os resultados funcionais da reparação do manguito rotador. Em 90 estudos, a pontuação obtida no período pós-operatório foi, em média, 103% (variação de 21-272%) superior à pré-operatória, resultados próximos da melhora de 118% obtida por nós. Os autores também observaram, avaliando 102 estudos, que a pontuação média após a cirurgia é de 85% (variação de 64-97%) do máximo permitido pelas escalas. No nosso estudo, a pontuação média representou 82% do máximo permitido pela escala UCLA.
Este estudo demonstrou que apenas a idade do paciente se correlacionou, de forma independente, com os resultados clínicos em regressão multivariada de forma positiva. Isto é contrário a alguns autores descrevendo uma pior classificação pelas escalas funcionais em pacientes mais velhos. No entanto, outros autores observam resultados clínicos piores e menor satisfação em pacientes mais jovens. Possíveis explicações para os melhores resultados com o aumento da idade pode ser a menor demanda funcional e menor incidência de problemas relativos ao exercício do trabalho do paciente. Além disso, a escala UCLA, usada como medida do resultado, não avalia a força com precisão, mas a categoriza. Assim, os resultados podem não se aplicar a análises por outras escalas e esta pode ser uma explicação para os melhores resultados que ocorreram na população mais velha.
Também observamos que a correlação univariada mostrou que o procedimento de reparação de ruptura postero-superiores também influenciou o resultado clínico, com melhores resultados em casos de reparação completa da lesão. Da mesma forma, O’Holleran et al. mostraram que pacientes com rupturas extensas não reparáveis e submetidas somente aos desbridamento cirúrgico obtiveram resultados funcionais piores.
Alguns autores mostraram correlação da dimensão da ruptura com resultados clínicos, com lesões maiores levando a menor satisfação, e reincidências a piores resultados funcionais. Os nossos dados não mostraram resultados semelhantes. No entanto, o pequeno número de pacientes com rupturas extensas limita nossas conclusões sobre esta variável.
Não existe consenso quanto à influência do gênero no último resultado. Melhores resultados clínicos foram descritos tanto em homens como em mulheres. No nosso estudo, como nos de Gulotta et al. e Vastamäki’s et al., não houve efeito desta variável nos resultados clínicos pós-operatórios.
A realização de tenotomia ou tenodese da cabeça longa dos bíceps, e a ressecção da extremidade distal da clavícula também não afetou os resultados clínicos. Estes resultados estão de acordo com outros autores e indicam que estes procedimentos associados à reparação do manguito rotador têm pouca influência no resultado funcional. Tivemos em nossa amostra um pequeno número de pacientes não submetidos a acromioplastia, o que limita nossas descobertas sobre este não ser um indicador. No entanto, a evidência atual indica que manter a ressecção do acrômio inferior anterior não altera os resultados clínicos.
Não foi possível avaliar outras variáveis que pudessem influenciar os resultados, como o grau de degeneração lipídica dos músculos, o nível de atividade dos pacientes, a duração da sintomatologia e as questões relacionadas ao trabalho dos pacientes, sendo esta última uma limitação do nosso estudo. A ausência de estudos de imagem pós-operatória em nossa análise também está aberta à crítica. Vale notar que a falha na detecção de correlações entre as outras variáveis pode ser devido a um erro de tipo II, determinado por uma amostra insuficiente.
Como ponto favorável ao nosso estudo podemos mencionar uma grande série de acordo com os padrões nacionais, sendo do nosso conhecimento apenas um artigo avaliando um maior número de pacientes com acometimentos do manguito rotador. Além disso, a realização de uma análise multivariada permite o controle e a avaliação de diferentes critérios prognósticos, reduzindo fatores concomitantes quando comparada com uma análise univariada. Os nossos resultados contribuem para a compreensão dos fatores de prognóstico do tratamento destas lesões, um campo ainda sem consenso na literatura ortopédica. Acreditamos que são necessários mais estudos, inclusive bases de dados maiores e, no fim, necessitamos de colaboração multicêntrica para fornecer respostas mais concretas.
O tratamento cirúrgico de lesões no manguito rotador levou a resultados bons e excelentes em 65,6% dos pacientes. A idade foi um indicador independente com melhores resultados clínicos em pacientes idosos na escala UCLA.
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