Nesse artigo científico, eu e Grupo de Ombro e Cotovelo do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clinicas Faculdade de Medicina, Universidade de Sao Paulo (HCFMUSP) comparamos a qualidade de vida, de acordo com o SF-12, entre pacientes com artropatia do manguito rotador e controles pareados por sexo e idade. É objetivo secundário a comparação dos grupos de acordo com as escalas ASES e EVA.
Objetivo: Comparar a qualidade de vida, de acordo com o SF-12, entre pacientes com artropatia do manguito rotador e controles pareados por sexo e idade. É objetivo secundário a comparação dos grupos de acordo com as escalas ASES e EVA.
Métodos: Estudo transversal com controles pareados por sexo e idade, que comparou pacientes com artropatia do manguito rotador e indicação de artroplastia reversa do ombro com indivíduos sadios. Os grupos foram comparados quanto às escalas SF-12, ASES e EVA.
Resultados: Os grupos foram formados por 38 indivíduos, sendo 28 do sexo feminino. O SF-12 apresentou diferença significativa no componente físico, tendo os casos registrado 31,61 ± 6,15 e os controles 49,39 ± 6,37 (p < 0,001). Para o componente mental, a diferença não foi significativa, tendo os casos apresentado 44,82 ± 13,18 e os controles 48,96 ± 8,65 (p=0.109). Os casos apresentaram EVA de 7,34 ± 2,11 e ASES de 31,26 ± 15,12, enquanto os controles apresentaram 0,55
Conclusão: Os pacientes com artropatia do manguito rotador apresentam piores resultados no componente físico do SF-12 quando comparados aos controles. Têm, ainda, piores resultados funcionais pela escala da ASES e mais dor pela EVA.
Nível de Evidência III, Estudo de Caso-Controle.
Descritores: Artroplastia de substituição. Artropatias. Osteoartrose. Manguito rotador. Qualidade de vida.
A artropatia do manguito rotador é a artrite na articulação glenoumeral associada a rotura massiva do manguito rotador.1 Esta lesão afeta 2,5% da população com mais de 70 anos2 e pode levar a dor e limitações funcionais significativas.1
Escalas que avaliam a qualidade de vida (QV) são usadas com frequência em estudos de osteoartrite. O impacto significativo desta condição na qualidade de vida do paciente já foi descrito para a osteoartrite do joelho,3-6 do quadril,3,5,6 e da mão.6,7
Poucos estudos avaliam o efeito da artroplastia reversa do ombro na qualidade de vida do paciente, quer este procedimento trate lesões degenerativas 8 ou fraturas.9 No entanto, nenhum estudo, até este momento, comparou a QV em pacientes com artropatia do manguito rotador com a de um grupo-controle.
O objetivo principal deste estudo foi comparar a QV medida pelo questionário 12-Health Survey (SF-12)10 entre pacientes com artropatia do manguito rotador com indicação de artroplastia reversa e indivíduos e um grupo-controle de sexo e idade correspondentes. Os objetivos secundários foram comparar os grupos de acordo com a função e a dor, usando a escala American Shoulder and Elbow Surgeons Standardized Shoulder Assessment Form (ASES)11 e a escala analógica visual para a dor (EVA).
Conduzimos um estudo transversal com grupo-controle em uma proporção de 1: 1. Na clínica ambulatorial de nossa instituição, avaliamos pacientes com o diagnóstico de artropatia do manguito rotador e indicação de artroplastia reversa do ombro, em relação à QV deles. O grupo-controle era composto por acompanhantes de pacientes da mesma clínica ambulatorial, e foram pareados de acordo com sexo e idade. Foi tolerada uma diferença de idades de ± 2 anos.
Os pacientes foram avaliados entre 21 de julho de 2015 e 13 de abril de 2016. O estudo foi aprovado pelo Conselho de revisão institucional sob o processo de número 1103 e não recebeu qualquer tipo de financiamento.
Os critérios para a indicação de artroplastia reversa foram:
A diferença clínica minimamente relevante (MCID) do SF-12 ainda não foi estabelecida para a artropatia do manguito rotador. Em um estudo sobre a artroplastia total do joelho, o MCID estava determinado a ser de 4,8 pontos para o componente físico do SF-12, com um desvio padrão de 10,4.12 Em um cenário conservador, considerando um MCID de 10 pontos e um desvio padrão de 15, precisaríamos de 36 indivíduos em cada grupo.
Avaliamos a normalidade das variáveis contínuas através do teste Kolmogorov-Smirnov, e a homogeneidade através do teste de Levene. As variáveis contínuas quantitativas foram apresentadas como desvios médio e padrão e as variáveis categóricas como valores absolutos e percentuais.
A comparação entre os casos e controles com relação às diferentes variáveis foi realizada através do teste de χ2 ou do teste exato de Fisher para as variáveis de natureza categórica. Para as variáveis contínuas, a comparação foi avaliada usando o teste t de Student não pareado se os dados tiverem sido distribuídos, de forma paramétrica, ou o teste de Wilcoxon para distribuição não paramétrica.
Nós usamos o software SPSS versão 20.0 (SPSS Inc, Chicago, Illinois, EUA) para a análise de dados, e um nível de significância de 5%.
A base de dados da instituição dispunha de 45 pacientes com recomendação para artroplastia reversa do ombro. Cinco deles não puderam ser localizados, um havia falecido, e um não concordou em participar do estudo. Dessa forma, 38 pacientes foram entrevistados para representar o grupo caso, e um número igual de indivíduos foi selecionado para representar o grupo-controle. Os dois grupos continham 28 mulheres.
Os casos apresentavam 68,4% de acometimento do lado direito (26/38), 23,7% do lado esquerdo (9/38) e 7,9% de acometimento bilateral (3/38). O tempo médio em que apresentaram sintomas foi de 128,97 meses. Os grupos não possuíam diferença significativa na idade, IMC, ou realização de cirurgias anteriores em outros locais além do ombro (p = 0.878, p = 0.159 e p = 0.489, em respectivo). As comorbidades, excluindo as doenças reumáticas (p = 0, 028), também não mostraram diferenças entre os grupos. Os pacientes com recomendação para artroplastia reversa usavam um número bem maior de medicamentos (p = 0,021). No que diz respeito às doenças ortopédicas, os casos tiveram, de maneira significativa, mais sintomas do ombro (p < 0, 001) e nenhuma diferença significativa em outros locais. As características gerais da amostra podem ser vistas na Tabela 1.
O SF-12 mostrou uma diferença significativa no componente físico, com o grupo caso pontuando 31.61 ± 6.15 e o grupo-controle 49.39 ± 6.37 (p < 0,001). Para o componente mental, a diferença não foi significativa, com o grupo caso pontuando 44,82 ± 13,18 e o grupo-controle 48,96 ± 8,65 (p < 0.109). O grupo caso apresentou pontuação EVA de 7.34 ± 2.11, e ASES de 31.26 ± 15.12, enquanto o grupo-controle apresentou 0,55 ± 1.31 e 97.53 ± 6.22, em respectivo (p < 0,001). Os dados podem ser vistos na Tabela 2.
A artropatia do manguito rotador afeta cerca de 4% dos pacientes com rotura do manguito rotador.13 As manifestações clínicas desta doença são variáveis, e os sintomas dos pacientes podem ser mínimos e função satisfatória, ou abranger até pseudoparalisia.1 O tratamento da artropatia do manguito rotador é um desafio para os ortopedistas, mas a artroplastia reversa é uma solução viável que pode aumentar a QV.8
Em uma revisão sistemática acerca das indicações para a artroplastia reversa do ombro, Smith et al.14 descobriram que a pseudoparalisia dolorosa é a principal razão para a realização da cirurgia. Análises da QV em indicações de cirurgia não são citadas neste ou em outros estudos.8,14,15 Acreditamos que a QV deveria ser avaliada antes e após a artroplastia, e deveria fazer parte do raciocínio clínico no momento em que a cirurgia é recomendada. Muitos pacientes com esta condição são idosos, com comorbidades e limitações inerentes à idade.16
Os nossos resultados demonstram que os pacientes com diagnóstico de artropatia do manguito rotador e indicação para artroplastia reversa apresentam um impacto significativo no componente físico da QV, de acordo com o SF-12, quando comparados com os indivíduos controle com sexo e a idade regulados. Indivíduos enfermos tendem a ter resultados piores no componente mental desta escala. Vários estudos demonstraram, através da comparação de indivíduos enfermos e controles saudáveis, o impacto da osteoartrite do joelho,3-6 do quadril,3, 5, 6 e da mão6,7 na QV. No entanto, estes estudos não avaliam o acometimento da articulação glenoumeral, seja por osteoartrose primária ou artropatia do manguito rotador. O impacto predominante no componente físico da QV foi observado por outros autores.5,6 Nosso estudo também ressaltou que a artropatia do manguito rotador afeta, de forma significativa, a dor e a função do ombro quando estas são analisadas pela EVA e pela ASES.
Os outros estudos que comparam pacientes com osteoartrite em outras articulações com controles saudáveis não avaliam esses resultados.3,7,17 Castricini et al.,8 em um estudo acerca do uso da artroplastia reversa do ombro em patologias degenerativas (artropatia do manguito rotador, rotura irreparável do manguito rotador e artrite glenoumeral primária) notaram que o procedimento proporciona QV similar a da população saudável. Mangano et al.15 obtiveram resultados semelhantes, estudando apenas pacientes idosos. Em um estudo acerca do uso da artroplastia reversa em fraturas proximais do úmero, Lopiz et al.9 também observaram resultados finais em QV comparáveis aos da população não afetada. No entanto, estes artigos não detalham os valores de QV pré-operatórios, como as outras séries de casos avaliadas.18-22
Como desta escrita, este presente estudo é o primeiro a comparar QV, função e dor em pacientes com diagnóstico de artropatia do manguito rotador a uma população não afetada. Os grupos, apesar de estarem pareados apenas por sexo e idade, apresentaram uma distribuição semelhante para a maioria das variáveis analisadas, reforçando a validade dos critérios de inclusão. Deve-se enfatizar que os indivíduos do grupo caso consumiram uma quantidade mais significativa de medicamentos do que os indivíduos do grupo-controle, o que aumenta o risco de efeitos colaterais e interações medicamentosas. Contudo, os grupos não apresentaram qualquer diferença em relação ao IMC.
Excesso de peso pode ser um fator concomitante para a análise, já que a obesidade afeta de forma negativa a QV.23 Alguns autores de estudos que avaliaram a QV em pacientes com osteoartrite nas pernas não mencionaram esta variável,4,5 enquanto que outros descobriram que o grupo com artrite possuía um IMC maior.6 Além disso, a ferramenta utilizada para avaliar a QV, o SF-12, é autoaplicável, validado, e seus resultados são comparáveis aos do SF-36.10
Este estudo tem limitações.
A amostra consistiu em pacientes com indicação cirúrgica de artroplastia reversa do manguito rotador em decorrência de artropatia do manguito rotador, representando apenas casos sintomáticos desta doença que não obtiveram melhora após o tratamento conservador. Pacientes com artropatia do manguito rotador podem apresentar poucos sintomas e função satisfatória.1 A ausência de um grupo com pacientes oligossintomáticos com artropatia do manguito rotador é a limitação principal de nosso estudo. Embora a amostra fosse pequena, foi suficiente para provar nossa hipótese, dada a diferença significativa que encontramos. Por outro lado, o delineamento transversal não nos permitiu avaliar variações temporais nos resultados e não analisamos a dor pré-operatória e pós-operatória.
Pacientes com artropatia do manguito rotador que obtêm recomendação para a artroplastia reversa possuem resultados piores no componente físico do SF-12 se comparados aos indivíduos do grupo-controle. Eles também mostram resultados funcionais piores, medidos pela ASES e mais dor, medido pela EVA.
REFERÊNCIAS
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