As fraturas relacionadas à osteoporose ocorrem em cerca de 2 milhões de indivíduos por ano nos Estados Unidos, e as fraturas proximais representam 10% desse total. Estudos recentes demonstram que o tratamento conservador tem resultados semelhantes aos da cirurgia, sem ligação com a idade e o padrão da fratura.
No entanto, ainda há controvérsia sobre os principais padrões de fratura que podem ser beneficiados pelo tratamento cirúrgico, e há falta de evidência sobre os parâmetros radiográficos que dão o pior prognóstico para o tratamento conservador. As classificações de Neer, AO e binárias têm baixa confiabilidade e pouco acrescentam à tomada de decisão sobre o tratamento. Estudos anteriores demonstraram que várias características relacionadas à fratura que não são avaliadas por estas classificações podem influenciar os resultados funcionais, tais como a cominuição metafisária medial, a direção e o grau de desvio nos planos coronal e sagital, e perda óssea devido à impactação.
Resch et al publicaram recentemente uma nova classificação, baseada na análise patomorfológica destas fraturas, utilizando apenas os critérios com correlação interobservadores excelente por análise radiográfica e tomográfica. A influência da classificação patomorfológica e de outros critérios objetivos de desvio das fraturas proximais do úmero na escolha de tratamento ainda não foi avaliada, e sua confiabilidade com o uso de radiografias simples, sem tomografia computadorizada, também não.
Nosso principal objetivo foi avaliar a confiabilidade interobservadores e intraobservadores de diferentes parâmetros radiográficos, classificações e indicações cirúrgicas para fraturas proximais do úmero entre cirurgiões ortopédicos com diferentes níveis de experiência. O objetivo secundário foi avaliar quais os critérios que mais influenciam a tomada de decisões para o tratamento. Nossa hipótese foi que há uma variabilidade significativa nas medições radiográficas, com melhores resultados entre os avaliadores mais experientes.
Através da análise de um banco de dados de fraturas proximais do úmero institucional, foram obtidos os registros de pacientes com diagnóstico de tais fraturas tratados entre janeiro de 2009 e agosto de 2014. Com os números de registro, as radiografias foram acessadas através do sistema de arquivo e comunicação de imagem (PACS) do hospital (iSite Enterprise 4.1; Philips Medical Systems, Best, Holanda).
Foram excluídos os pacientes que não obtiveram radiografias de boa qualidade nas vistas anteroposterior verdadeira, lateral e axilar, assim como pacientes com fise aberta e os pacientes com mais de 90 anos. Outras razões para a exclusão foram fraturas isoladas do tubérculo, fraturas patológicas, presença de fraturas prévias.
As radiografias foram avaliadas pelo autor principal, que selecionou 40 pacientes de acordo com o cálculo do tamanho da amostra. As imagens foram organizadas, de forma aleatória, para avaliação, com as identificações dos pacientes sob mascaramento. Os casos foram selecionados com distribuição similar entre o número de fragmentos afetados e a gravidade do desvio angular coronal da cabeça do úmero.
A pesquisa foi realizada por 10 cirurgiões ortopédicos. Eles foram divididos em 2 grupos por tempo da experiência. No grupo experiente, todos eram especializados em cirurgia de ombro ou trauma, com uma média de 16 anos (±10,1) de experiência e habituados a tratar FPU. No grupo sem experiência, os cirurgiões ortopédicos haviam sido treinados há pouco tempo em Ortopedia e Traumatologia, com uma média de 1,4 anos (±0,5).
Foram feitas onze perguntas múltipla-escolha (Tabela I). As opções foram escolhidas com base em classificações anteriores e achados patomorfológicos. Foram dadas instruções claras e escritas acerca de como calcular os ângulos e desvios. As medições foram realizadas através de ferramentas PACS, e as respostas do questionário foram preenchidas pelos ortopedistas em uma versão impressa. Os avaliadores foram instruídos a utilizar os critérios de decisão de tratamento utilizados nas suas práticas clínicas. Uma única situação clínica foi considerada para todos os casos: um paciente de 55 anos, com Fratura proximal do úmero e fisicamente ativo.
Nos casos de indicação cirúrgica, os avaliadores foram instruídos a registrar, por ordem de importância, os critérios utilizados para a tomada de decisões. O autor principal não preencheu o questionário. Quatro meses após a primeira análise, as radiografias foram randomizadas para uma nova avaliação.
Através de um nível de significância de 5% e potência de 80%, calculou-se que uma amostra de 40 casos seria suficiente para detectar uma variabilidade mínima de 10% entre os grupos de avaliadores com e sem experiência.
As concordâncias interobservadores e intraobservadores foram determinadas pelas variáveis analisadas através da análise do Valor κ, de acordo com os critérios de Landis e Koch12: ≥ 0,81, concordância quase perfeita; entre 0,61 e 0,80, concordância substancial; entre 0,41 e 0,60, concordância moderada; entre 0,21 e 0,40, concordância fraca; e ≤ 0,20, concordância pobre.
Para a pergunta sobre os motivos por trás da indicação cirúrgica, apresentamos as variáveis categóricas como porcentagens. Uma regressão logística multivariável foi realizada para avaliar as variáveis que poderiam prever a indicação da intervenção cirúrgica. A comparação entre os grupos avaliadores baseou-se em sua categoria e um intervalo de confiança de 95% com valores κ.
Nós usamos o SPSS versão 21.0 (SPSS Inc., Armonk, NY, EUA) para analisar os dados, um nível de significância de 5% foi adotado.
Concordância interobservadores
A concordância interobservadores está resumida na Tabela II. Os observadores mostraram concordância substancial para a presença de fratura no tubérculo maior (κ = 0.749) e cominuição medial (κ = 0.627). Concordância moderada foi encontrada para a classificação patomorfológica (κ = 0.504), desvio do tubérculo maior (κ = 0.422) e escolha de tratamento (κ = 0.565) Concordância fraca foi observada para a classificação de Neer (κ = 0.298), fragmentos de fratura (κ = 0.282), presença de fratura no tubérculo menor (κ = 0.369), angulação da cabeça no plano coronal (κ = 0.393) e no plano sagital (κ = 0.340), e desvio da diáfise do úmero no plano coronal (κ = 0.353) e no plano sagital (κ = 0.322). Concordância pobre foi observada para o desvio do tubérculo menor (κ = 0.166).
Avaliadores experientes mostraram uma melhor concordância interobservadores para desvio da diáfise do úmero no plano coronal, para a presença de fratura e desvio do tubérculo maior e para o desvio do tubérculo menor. Os avaliadores sem experiência mostraram um melhor acordo interobservadores para a cominuição medial.
Concordância intraobservadores
A concordância intraobservadores está resumida na Tabela III. A concordância intraobservadores foi substancial para a decisão de tratamento (κ = 0.620) e para a presença e desvio da fratura do tubérculo maior (κ = 0.627 e 0.611).
Concordância moderada foi encontrada para a classificação de Neer (κ = 0.490), para classificação patomorfológica (κ = 0.607), angulação da cabeça em plano coronal (κ = 0.529) e sagital (κ = 0.474), presença de fratura no tubérculo menor (κ = 0.429), e desvio da diáfise do úmero no plano coronal (κ = 0.429) e no plano sagital (κ = 0.508). Foi observado uma concordância fraca para os fragmentos de fratura (κ = 0, 397), cominuição medial (κ = 0, 399) e desvio do tubérculo menor (κ = 0, 254).
Os avaliadores mais experientes mostraram melhor concordância intraobservadores para fragmentos de fratura, classificações Neer e patomorfológicas, desvio da diáfise do úmero nos planos coronal e sagital, cominuição medial, desvio do tubérculo maior e escolha de tratamento.
Escolha de tratamento
A angulação da cabeça no plano coronal foi a variável mais citada utilizada na tomada de decisões acerca do tratamento cirúrgico e esteve presente em 26% das avaliações com indicação para cirurgia. Em seguida estão as variáveis: desvio do tubérculo maior (20%) e desvio da diáfise do úmero nos planos coronal (14%) e sagital (13%). A angulação da cabeça no plano coronal foi escolhida como a variável mais importante em 45% dos casos, também seguida por desvio do tubérculo maior (26%) e desvio da diáfise do úmero no plano coronal (12%).
Foi realizada uma análise por regressão logística multivariável com classificação Resch, com a presença de desvio do tubérculo maior e da diáfise do úmero, e com a presença de cominuição metafisária medial para cada avaliador. Isto demonstrou que a classificação de Resch influencia a indicação cirúrgica em metade dos avaliadores, com uma razão média de probabilidade de 4,85 (de 3,30 a 8,65). O desvio do tubérculo maior influenciou a indicação cirúrgica para 2 avaliadores, com uma razão média de probabilidade de 15,22 ( de 13,23 a 17,20).
Discussão
Nossos achados demonstram que a confiabilidade de várias medições do desvio das fraturas proximais do úmero por radiografia tem grande variação dependendo da experiência do cirurgião ortopédico. Encontramos resultados menores para a confiabilidade relatados por Resch et al, que usaram tomografia computadorizada em todos os casos, e que incluiu apenas avaliadores experientes, e teve retorno dos principais autores após os 10 casos iniciais.
Em relação à classificação patomorfológica das fraturas proximais do úmero, encontramos confiabilidade interobservadores moderada e confiabilidade intraobservadores substancial. A menor confiabilidade para a classificação patomorfológica ocorreu na avaliação das fraturas de Tipo II (sem desvio coronal, mas com presença de desvio no plano sagital). Nossas descobertas demonstram que a confiabilidade intraobservadores do desvio do ângulo cabeça-diáfise e da diáfise do úmero no plano sagital foi leve tanto para os avaliadores experientes quanto para os inexperientes.
Apesar deste risco potencial, o desvio no plano sagital é essencial para a avaliação das fraturas proximais do úmero, e é considerado um fator de risco para os resultados mais pobres com tratamento conservador.
Também observamos que fratura do tubérculo maior e cominuição metafisária medial tem confiabilidade intraobservadores substancial. A presença de fratura do tubérculo maior foi incorporada na classificação patomorfológica como uma variável independente. Acreditamos que a presença de cominuição metafisária medial também pode ser usada na classificação. A grande vantagem de seu uso está relacionada a importância deste critério na definição da instabilidade em fraturas varo.
Apesar de a evidência atual nos demonstrar que o tratamento conservador possui resultados similares aos da cirurgia, há poucos estudos com avaliação multivariável dos critérios prognósticos radiográficos no tratamento conservador que justifiquem a indicação cirúrgica. Outros autores também demonstraram resultados heterogêneos de acordo com a região e a formação ou experiência do cirurgião.
Os fatores que mais influenciam a indicação da cirurgia foram considerados desvio angular da cabeça do úmero, desvio do tubérculo maior e desvio da diáfise do úmero nos planos coronal e sagital. Na análise multivariável, pudemos ver que a classificação patomorfológica23 foi o único critério a ter maior influência para a indicação de cirurgia. Para cada grau de classificação, a chance de indicação cirúrgica foi 3,85 vezes maior. Acreditamos que a classificação patomorfológica tem grande potencial para ajudar a tomada de decisões em relação ao tratamento, com maior confiabilidade do que a relatada para as classificações de Neer, AO, e a binária descrita por Hertel, apesar de ter sido relevante para metade dos avaliadores
Devido à baixa confiabilidade das principais medidas radiográficas, sugerimos que futuros estudos de prognóstico para fraturas proximais do úmero incluam avaliações da confiabilidade da medição e da classificação utilizada, de preferência utilizando também tomografia computadorizada, que pode apresentar resultados diferentes, de forma significativa, da radiografia.
O nosso estudo tem algumas limitações. Não há padrão com o qual comparar a indicação cirúrgica e as medidas radiográficas, e nosso estudo é considerado uma avaliação da confiabilidade, não um estudo de precisão. Todos os observadores são de um único estabelecimento, com treinamento semelhante, o que reduz a variabilidade da avaliação, mas também de sua validade externa. Não houve avaliação tomográfica, o que poderia diminuir a confiabilidade interobservadores e intraobservadores.
No entanto, a avaliação das radiografias pode aumentar a validade externa de nossas descobertas já que a tomografia computadorizada não é uma rotina na tomada de decisões e na avaliação dos desvios. Mais ainda, utilizamos uma única condição clínica para a tomada de decisões acerca do tratamento cirúrgico, um fato que poderia gerar menos validade externa para os achados, mas que poderia nos permitir tornar a indicação cirúrgica mais consistente e representada apenas pelos achados radiográficos.
A classificação patomorfológica tem maior confiabilidade do que a classificação de Neer e foi o fator que mais influenciou a escolha cirúrgica. A determinação da presença de fratura e desvio do tubérculo maior e de cominuição metafisária medial é confiável com uso de radiografias simples, e os resultados foram influenciados pela experiência dos observadores. As outras medições radiográficas não têm confiabilidade suficiente para ajudar na escolha do tratamento das fraturas proximais do úmero.
Agradecimentos
Investigadores participantes: Bruno A. Rudelli, Guilherme G. Noffs, Rodrigo S. Macedo, Vicente Mazzaro Filho, Vitor R. Domingues. Participaram na aquisição de dados para o trabalho.
Exoneração
Os autores, suas famílias imediatas, e qualquer fundação de pesquisa com a qual estão afiliados não receberam quaisquer pagamentos financeiros ou outros benefícios de qualquer entidade comercial relacionada ao assunto deste artigo.
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